28.10.05

Direito à lei

Há dias em que uma reduzida lucidez só nos permite a indignação de proximidade. Nesses dias, apercebemo-nos que é insuportável viver num país onde alguns peões, ao atravessarem numa passadeira, abrandam o passo quando detectam um carro a aproximar-se porque a lei lhes confere esse direito.

25.10.05

O monstro

Suspeito que o homem mais feio do mundo viva na minha rua. É um tipo autoconfiante e orgulhoso da sua fealdade, que observa o mundo com altivez da porta de um tasco imundo. Já lhe teria tirado uma fotografia para arquivo, mas tenho algum medo que me morda ou até que me humilhe.

21.10.05

Práticas abortivas


Um parque de estacionamento subterrâneo sem um carro abandonado não é mais do que um desperdício de zonas mal iluminadas.

20.10.05

Do sonho

A menina do "A, B,...Sexo" vendia a ideia de que as fantasias são irrealizáveis por definição e que é através dessa mesma impossibilidade de concretização que cumprem o seu (saudável e indispensável) papel. Até aceito esta aplicação à sexualidade da velha máxima de que o sonho comanda a vida, no entanto, os benefícios desta forma, digamos, conceptual de encarar o sexo parecem-me limitados. Afinal de contas, uma fantasia irrealizável, a partir de certo ponto, não é mais do que um emprego.

De fininho

Houve uma altura, não muito longínqua, em que ignorava horários e mesmo assim tinha dinheiro suficiente. Hoje em dia, para ter dinheiro suficiente, já só posso desrespeitá-los timidamente. Isto sim é precariedade.

11.10.05

Urbano-depressivo

Acossado pelo mais reles "taxismo" (há quem lhe chame pensamento sistémico), apercebi-me que já não me chega planear trajectos através da cidade com o objectivo de minimizar o número de semáforos que possa encontrar pelo caminho. Nos últimos tempos, numa tentativa absurda de optimização processual, ando também a evitar as perdas de prioridade. O trânsito é apenas mais um dos domínios onde o ridículo nos atinge invariavelmente por via da sofisticação.

7.10.05

A ira

Tenho andado demasiado furioso para escrever. Isto pode parecer paradoxal, mas não é. É apenas uma boa justificação.

Red tape

"- Precisas disto para alguma coisa?
- Não, mas dá cá para eu anexar. Para fazer o processo."

Dias que passam

Acho que quando não envelhecia era mais feliz. O resultado final não me incomoda por aí além, mesmo porque desde que fiz quinze anos que passei a ter como "meta aspiracional" a chegada aos quarenta. No entanto, todo este processo mitológico dá cabo de mim. Viver crises de meia-idade antecipadamente significa que quando precisar delas vou ter de inventar outras desculpas.