9.2.04

Legitimidade

Sempre me interroguei sobre a existência daquele hábito radiofónico de identificar as músicas que vão sendo transmitidas, como sendo a música X, da banda Y, do Z, sendo o Z um membro qualquer da banda. Porquê este dado adicional? Porquê a fórmula: acabámos de ouvir o "O Teu Olhar (Comigo Acabou)" dos D'Arrasar, do Joca? Primeiro pensei que apenas estivessem a identificar a força criadora responsável pela obra, mas isso só faria sentido se essa força criadora existisse, o que não é o caso na maior parte do entulho que pulula nas playlists. Sendo assim, só me resta a alternativa da procura da legitimidade perante o auditório.

Ao identificar um dos membros das diversas bandas, as rádios mostram aos seus ouvintes que não estão apenas a vender discos, estão a divulgar informação privilegiada dos bastidores do mundo do espectáculo. A sua posição de "agentes culturais" possibilitaria o acesso a um conhecimento íntimo das celebridades, comprovado pela capacidade de individualização de membros dos grupos musicais, indiciando a densidade ontológica dessas mesmas celebridades e transformando o "Joca performer", no "Joca homem". Esta visão unitária pressupõe algo que vai muito além da redutora imagem colectiva com que o público em geral teria que se contentar, legitimando assim as rádios como transmissoras de música, via uma pseudo-investigação nos domínios da antropologia cultural.

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