23.4.04

Memória sentimental

dez anos, em plena adolescência e no auge do meu sentimentalismo grunge, lembro-me de me ter fardado, seguindo religiosamente os ditames do movimento (cheguei a pedir umas Doc Marten's emprestadas), e de ir solenemente para o concerto dos Nirvana no Dramático de Cascais. Algures a meio do concerto, estava eu alegremente a ser pontapeado e empurrado em pleno mosh pit, lembro-me distintamente de ter pensado, enquanto me atirava para cima de um grupo de inocentes espectadores, que a vida a partir daquele momento só poderia, na melhor das hipóteses, oferecer-me momentos de igual felicidade. Curiosamente, não tendo tido até hoje um AVC, parece que isso se tem vindo a verificar.

Acho que o grunge, sendo uma mistela de política, romantismo urbano, e moda, se adequava perfeitamente à minha trémula e sonhadora pós-puberdade. O que é certo é que, obrigando-me a uma reflexão desnorteada sobre as limitações adolescentes, me educou para a melancolia e, em certa medida, para o amor. Talvez por isso, ainda hoje sinto gratidão pelo que aqueles tipos desgrenhados cantavam na altura, consumidos por uma qualquer desiludisão. No fundo, trouxeram-me a "Geração X" antes de eu ter que a viver.

Enfim, tudo isto para explicar como é que, apesar de ter passado grande parte destes dez anos a ouvir sobretudo coisas na esfera da dita música "electrónica" ou "de dança", ainda consigo gostar muito dos Strokes. Na minha mediania, continuo a achar que só se pode dançar seriamente ao som de um rock arrebatado.

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