Notas Nordestinas III: O português de família
O português que viaja acompanhado para o Nordeste, tem alguma dificuldade em deixar-se seduzir pelo cenário em tons de azul, verde e branco. Normalmente não consegue esquecer a vida que deixou para trás, mas quer oferecer o esquecimento a quem vai com ele. Para o nosso concidadão é difícil em lidar com o facto de não haver nada para fazer por isso encontra substitutos que lhe permitam controlar o sentimento de liberdade onde aterrou. Pensa na organização de excursões, no pagamento de contas, no brasileiro que o tenta enganar, em networking com outros hóspedes, numa tentativa de utilizar o dinheiro como elemento que lhe permita fazer uma ponte entre um mundo idílico mas incompreensível e a luta do dia-a-dia.
Outro elemento estruturante da realidade do português no Nordeste é a presença de filhos com idades dos zero aos dois anos. Uma vez que no resort só os putos a partir dos quatro/cinco anos têm passatempos organizados exclusivamente para eles, o português parece preferir deixar os filhos que se encaixam neste intervalo em casa. Assim, pode passar o dia a empurrar carrinhos de bébé de um lado para o outro, ir pedir pratos de sopa com água quente ao bar do hotel sete vezes ao dia, e envolver-se em discussões com a sogra que levou atrás para poder entregar-lhe as crianças quando lhe apetecesse desenvolver actividades de índole sexual com a mulher, sem nunca se sentir perdido existencialmente, e ao melhor estilo algarvio de Agosto.
Na vertente industrial do norte, há ainda uma terceira via para o equilíbrio emocional: as comunicações móveis. O empresário tem como obrigação chegar à praia e a primeira coisa que faz é ligar para o escritório saber se está tudo em ordem. De seguida passa o telefone à mulher que por sua vez liga para casa para falar com a empregada, e saber como estão os cães. Se esta rotina não se repetir todos os dias, parece que o comboio descarrila.
No fundo, um português ao longe só se distingue do português ao perto pelos acessórios que carrega.
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