12.4.04

Notas Nordestinas IV: Salvador da Bahia

Em Salvador, deparei-me com um problema: a ignorância histórica. Em Lisboa, lido bem com ela porque tenho outras coisas para me distrair. Lá, não posso escapar ao frente a frente. Na parte moderna de Salvador, com os seus prédios corrompidos pela humidade tropical e os bairros de características favelosas, consigo interpretar o que me rodeia. No centro histórico, percebo o que estou a ver (até porque é fácil estabelecer paralelismos com Lisboa), mas não conheço convenientemente as suas origens. Senti-me agrilhoado pela mediania e apercebi-me que este é um dos problemas do turismo pré-fabricado: não requer pesquisa, não requer um "Lonely Planet" orientador, limitamo-nos a aterrar noutra cultura, sem qualquer tipo de preparação específica, sem qualquer estimulante adicional para a curiosidade. O que visitamos esgota-se muitas vezes no que está à vista. De qualquer forma, tentei fazer o que podia para apreciar o local e mesmo só estando lá algumas horas, é fácil perceber o porquê daquela canção do Baden Powell que diz que o samba «nasceu lá na Bahia» e que é «negro demais no coração». A cidade transpira tropicalismo.

Talvez por isso se explique a afluência de um viajante muito particular: o jovem sujo. Para além do turista "hard-core" de calções, ténis, chapéu na cabeça, máquina fotográfica ao pescoço e escaldão nos braços, vêem-se nas ruas da cidade múltiplos elementos deste nicho de mercado, sendo fácil imaginar que o que os levou até lá foi uma descrição de Salvador, num qualquer guia de viagem, como sendo "laid back" e "atmospheric". Para este público-alvo, estas qualificações significam sítios baratos para dormir, autenticidade, relacionamentos instintivos e acesso fácil ao "baseado". A "negritude" da cidade, solidificada por uma relação íntima dos habitantes com as suas raízes africanas, só vem reforçar o carácter jamaicano desta vivência.

No entanto, esta imagem de marca de Salvador também tem o seu lado negativo, ao transformar a vida nos bairros mais turísticos numa amálgama de produtos de marketing, com as suas inevitáveis distorções. Ao ser abordado por um tipo que me queria impingir uma pulseirinha da Nossa Senhora do Bonfim, e após recusar repetidamente a oferta, vi-me forçado a virar-lhe costas e seguir caminho. A reacção do homem foi a seguinte: «Português? Você está me discriminando?». Deixei Salvador com a nítida sensação que aquela gente já tinha visto filmes a mais.

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