27.5.04

Festa rija

Não sou particularmente dado a manifestações públicas de qualquer tipo. Talvez isso aconteça por ter alguma dificuldade em abandonar voluntariamente a racionalidade. Das únicas vezes que o fiz por causa do Sporting, arrependi-me. Em 95, quando da vitória na Taça, quase me juntei ao Alcino Monteiro, ao chegar ao Bairro Alto no preciso momento em que os skinheads resolveram cilindrar uns transeuntes. Em 2000, esperei horas no estádio pela aparição dos campeões, para a festa se acabar em dois minutos, que foi o tempo que o público levou a saltar a vedação e a invadir o relvado.

Talvez como consequência, hoje em dia, olho para a euforia portista da noite passada com distanciamento. Apesar de ter sentido a lágrima no canto do olho durante o jogo, voltei rapidamente à terra, deixando o tripeiro que há em mim por descobrir.

No entanto, compreendo e aceito o regozijo alheio, apesar de ele não me contagiar. Gostava honestamente de conseguir saltar alegremente, sem precisar de estar em directo para a SIC, de alinhar na "brasilificação", mas não consigo. Cada vez mais, vejo estas erupções como muito semelhantes à invasão de campo pela claque do Sporting, no último Sporting-Benfica: os senhores resolveram entrar em campo com o singular objectivo de entrar em campo. Sem adversários, sem obstáculos, só lhes restou atirarem-se para o chão, ou para o colo de um polícia.

Acho que ao sairmos à rua para comemorar uma vitória histórica, devemos rapidamente dirigir-nos a um bar, e reencontrar a treta da fraternidade clubística mais à frente. Só criando uma sucessão de vitórias menores e privadas (por exemplo, conseguindo beber "mais uma") é possível manter vivo o ardor do momento. Preferencialmente, vitórias que nos diluam na multidão. Afinal de contas, se "aquele abraço" se esvai assim que abrimos os olhos, mas vale fazê-lo na manhã seguinte ao acordarmos sozinhos, com uma garrafa de Super-Bock nos braços, deitados num qualquer banco de jardim.

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