4.6.04

Dilema

No Clube VII, um dos ginásios (ou wealth clubs, como lhes chama a Inês) supostamente mais elitistas de Lisboa, foi recentemente acrescentado o complemento cénico que faltava para vincar essa mesma imagem de marca: dois voituriers de origem africana.

Visto que o dito clube está instalado em pleno Parque Eduardo VII, entre os autocarros das manifestações da CGTP, os turistas sexuais e o número excessivo de sócios, o sofrimento para encontrar um lugar onde depositar o carro já há muito que era praticamente inevitável. Sendo assim, a gerência do Clube VII lá arranjou maneira de resolver o problema, ainda para mais, com a teatralidade que se impunha.

Contudo, não consigo deixar de pensar na problemática do recrutamento dos dois rapazinhos. Presumo que os tios, tias e sobrinhos exigissem alguém "apresentável", afinal de contas um antro de gente que se pretende bonita tem que ter uma fachada a condizer, tecnicamente proficientes de modo a não danificarem os seus imaculados puros-sangue, e sobretudo "de confiança", não fossem eles fugir com os BMWs lá para aqueles bairros onde eles vivem.

Por muito neo-colonialistas que os frequentadores sejam, presumo que estas três características não sejam propriamente as primeiras bolas a sair do saco quando pensam em criadagem PALOP. Acredito que mesmo "mostrando-lhes quem manda", alguma daquela malta de topo que vai para ali suar as estopinhas, deve engolir em seco ao entregar-lhes as chaves.

Talvez a forma que encontraram para ultrapassar este potencial obstáculo no caminho que os levará a um corpo digno dos raios de sol que recebe durante o ano inteiro, esteja relacionada com considerar estes dois jovens e a sua arredia existência como mais um dos muitos fardos das privilegiadas condições em que vivem. Um fardo que esta relação paternalismo/necessidade transforma, numa sublime ironia, em tendão de Aquiles de toda a estrutura.

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