Relações de vizinhança
Ocasionalmente, cruzo-me com vizinhos enquanto percorro a rampa de acesso à garagem do meu prédio. Há um ritual que se repete nestes encontros: para além do momento de pausa em que negociamos silenciosamente quem é que vai ter que manobrar para o outro passar, deparo-me sempre com um olhar curioso, mas incrédulo, que vem de dentro do outro carro.
Não sei como interpretar este esgar de espanto. Não sendo um tipo aflitivamente asqueroso, nem um Paul Newman, e não guiando um Delorean, vejo-me forçado a descartar as explicações mais óbvias.
Talvez pensem que o aglomerado urbano que é o meu prédio não passa de um logro metafísico, de uma materialização dos caprichos do génio maligno cartesiano. Que as rampas, os corredores, as luzes de halogéneo e as despesas de condomínio saíram directamente de uma miragem demasiado real. Talvez não concebam que a existência de outros seres vivos por entre estas lajes de betão seja mais do que um rumor, e que os vestígios em que tropeçam não se resumam a reminiscências de uma sessão de action painting divina.
Ao vê-los a eles, com a sua mirada atónita, e a mim a escrever estas coisas, apercebo-me que deve ser por isto que dizem que a vida citadina é alienante.
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