2.8.04

Abandono

Ontem à tarde recusei o Agosto. Recusei a praia, o sol calcinante e a volubilidade da melanina. Recusei a vida em deslocação, a melancolia radiofónica de fim de tarde, as ingerências impostas pelos meus semelhantes em trajes menores de cores vivas, untados com Piz Buin. Em vez de me obrigar a lidar um mar demasiado frio para esta altura do ano, mergulhei no detalhe, no fervilhar pormenorizado da existência, limitado a um raio de 100 metros de minha casa. Ignorei a presença demasiado palpável dos minutos que passavam. Não falei.

À noite, quando finalmente abandonei a minha embalagem para me ir alimentar à beira-mar, lembrei-me do regresso às aulas, no liceu, do receio que tinha de já não saber escrever ao fim de três meses de sobrecarga sensorial. À medida que me aproximava do ponto de convergência entre o meu domingo autista e a normalidade alheia, tive medo de já não saber as regras, de já não conseguir voltar à minha banalidade regular. É claro que a hipótese de um robalo ao sal, e um empregado de mesa que se recusa a ler ecos interiores, podem facilmente arquitectar o milagre da descida das alturas.

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