24.1.05

Meta-ficção

Ia sentir a falta dela. Não que fosse uma grande mulher ou que lhe tivesse transmitido algo de particularmente relevante. Não. Ia sentir a sua falta, porque ela tinha dedos nervosos e gostava de encostar a cabeça na sua. Porque insistia em dizer "jogar o futebol". Porque o seu futebol era a memória de uns "rapazes bonitos" a correrem atrás de uma bola, em calções, num campo que ficava nas traseiras da sua casa, em Espinho. Porque tanto o campo como a casa já não existem. Porque a tinha feito chorar há muitos anos atrás e nunca lhe tinha pedido desculpa. Porque era frágil. Porque carregava consigo um passado filigrânico. Porque escondia desastradamente a melancolia. Porque se despedaçou quando caiu. Porque "até o Sr. Almeida chorou" quando a viu sair de maca. Porque insistia em não largar a sua mão quando o segurança brasileiro veio dizer-lhes que a hora das visitas tinha acabado. Porque tentava afastar os demónios escrevendo textos auto-biográficos, antes da operação. Porque nalgumas frases desses textos era impossível saber se falava dela ou de ele próprio. Porque a morte se passeia entre a espera e a esperança.

3 Comentários:

At 7:13 da tarde, Blogger Elton Pinheiro disse...

Gostei do texto. Aliás, coloquei um link teu na minha página.

[ ]'s,

 
At 12:36 da tarde, Blogger O Silva disse...

Muito obrigado.

 
At 2:55 da tarde, Anonymous Anónimo disse...

Creio que, no meu caso, "Aditivo" é o termo que define este blog.

Parabéns.

 

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