Também eu vejo pessoas mortas
Até recentemente a presença do sobrenatural na minha vida tinha sido bastante limitada. Que me lembre, tinha-se resumido a dois episódios marcantes. O primeiro aconteceu algures na minha adolescência quando num disco dos Red Hot Chili Peppers, as vozes foram repentinamente substituídas por uma algaraviada repetitiva, reaparecendo passados uns meses e mantendo-se imperturbáveis até hoje. Assumo, com alguma relutância apesar de tudo, que possa ter sido vítima que um delírio juvenil, até porque, por essa altura, também defendi vigorosamente (entre outras intervenções celestiais) a ideia de que tinha ido a Hamburgo, quando apenas tinha sonhado com a viagem.
O segundo episódio foi a descoberta na minha gaveta de um Swatch que, por ser um dos meus preferidos, foi solenemente lançado às águas do Guadalquivir, depois de ser ter avariado de forma concludente enquanto atravessávamos de barco o Parque Nacional de Donaña, a caminho da Expo 92. A cerimónia foi testemunhada e profundamente sentida por um amigo meu, coleccionador empenhado de relógios da marca, que me acompanhou igualmente na fase de negação que se seguiu ao regresso daquele espécimen particular, que julgávamos irremediavelmente desaparecido no lodo.
No entanto, nos últimos tempos, o sobrenatural ressurgiu: vejo a minha avó nos maneirismos das suas contemporâneas que continuam por cá, a passear na Baixa, como sempre fizeram. Mais maduro (diz que), substituí a incredulidade por uma psicanálise de trazer por casa, o milagre pela saudade.
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