Sonhos
Pensou em escrever posts na terceira pessoa. Podia ser que alguém tomasse o blog por ficção.
Estou a precisar de um plano, de um critério editorial. Algo que me tire deste blog.
Passei uma parte da tarde de sábado ajoelhado, a limpar rodapés. Uma curta penitência que me ensinou o verdadeiro valor do que se pode comprar por cinco euros à hora. Como a grande maioria das tarefas desempenhadas de joelhos, esta também é iminentemente degradante. Além de degradante, é um fiasco, facto confirmado avant la lettre pela necessidade de nos arrastarmos de joelhos pela casa para nos apercebermos de qualquer hipotético benefício. Longe da vista, longe do coração (mesmo que perto do pulmão), é uma regra aplicável indiscriminadamente no microcosmo do pó doméstico. Regra especialmente aplicável quando mergulhamos num sombrio neo-realismo em luminosos dias de Verão.
Da noite ao bafo a álcool, do bafo a álcool ao beijo, do beijo à repulsa, da repulsa ao remorso às mãos da imagética da violência doméstica, do remorso às mãos da imagética da violência doméstica ao pesadelo onde alguém nos afirma ao ouvido que "all the animals come out at night - whores, skunk pussies, buggers, queens, fairies, dopers, junkies, sick, venal. Someday a real rain will come and wash all this scum off the streets.", vão cinco curtos mas intensos passos...
Só há duas coisas que uma pessoa que viaja pode fazer pelos que ficam em terra: levá-los ou não ir. Mais: por muito que se fantasie, trazer recordações de sítios longínquos não é a mesma coisa que levar lá alguém.
Recebo na minha inbox um peditório proveniente de uma amiga que foi para o Brasil ajudar desfavorecidos. Volto a recebê-lo mais três vezes, mas agora em modalidade forward (presumo que na urgência de passar a mensagem, ninguém se dê ao trabalho de ver a quem é que ela já foi enviada). Como é óbvio, nem com o mínimo solicitado contribuí. Não só não contribuí, como a primeira coisa que me veio à cabeça foi como seria fácil alterar o NIB que vinha no forward e tornar-me numa instituição de caridade de um e-mail para o outro. É claro que não me orgulho desta mesquinhez, mesmo porque servir de alimento a blogues não é grande justificação para a sua existência, mas por outro lado parece-me ingénuo fazer depender projectos humanitários de filtros de spam e da vergonha mínima que alguém possa sentir, sozinho, face a um écran, com capacidade para editar à imagem das suas fraquezas. O serviço mínimo da caridade por e-mail, é uma epístola anexada em formato "pdf".
Caro Santos da Estefânia,
Sabemos que há algo de errado no mundo quando damos por nós a assumir que é mais provável um cão estar deprimido do que ter um tumor no fígado.
Durante séculos, as escolhas foram simples: depois da morte, o inferno, o céu ou um fim sem alegorias. Hoje em dia, para além de variações à volta destes três desfechos clássicos, há cada vez mais quem morra e vá para o escritório.
Só como doces para tornar mais intensa a experiência de comer coisas salgadas imediatamente a seguir. A cada um a(s) sua(s) droga(s).
Neste mundo da física quântica, do eu, das equações diferenciais, do pessimismo, do modelo 10, o que realmente me espanta é que ainda se mande alguém "passar por cima". Com direito a gesto atabalhoado e tudo.
Vou sair de casa sem destino. Se calhar vou só até ao fim da rua e volto para trás. É o que acontece quando decidimos não ir à praia, num qualquer domingo de verão.
Até recentemente a presença do sobrenatural na minha vida tinha sido bastante limitada. Que me lembre, tinha-se resumido a dois episódios marcantes. O primeiro aconteceu algures na minha adolescência quando num disco dos Red Hot Chili Peppers, as vozes foram repentinamente substituídas por uma algaraviada repetitiva, reaparecendo passados uns meses e mantendo-se imperturbáveis até hoje. Assumo, com alguma relutância apesar de tudo, que possa ter sido vítima que um delírio juvenil, até porque, por essa altura, também defendi vigorosamente (entre outras intervenções celestiais) a ideia de que tinha ido a Hamburgo, quando apenas tinha sonhado com a viagem.
Elevação moral é, face ao belo, não fazer nada. Muito menos investigá-lo. Muito menos investigá-lo por amadorismo.
Há quem vibre com as escolhas do Comité Olímpico Internacional. Há quem se limite a preocupar-se vagamente com a transmissão televisiva, mais concretamente se vai ser feita em sinal aberto ou se vão obrigar as pessoas a tentar convencer uma qualquer tasca a assistir as finais de natação sincronizada à hora do jantar. Há quem diga que tem dois clubes. Há ainda quem duvide seriamente da racionalidade de todas estas opções de vida, mas confine o vocabulário transgressor aos títulos dos posts.
Há dias em que se torna evidente que muita da crueldade deste mundo está enclausurada entre as palavras da frase "rendibilidades passadas não constituem garantia de rendibilidades futuras".