30.12.03

Pequenos prazeres

Gosto de ver a alternância cromática da paisagem, provocada pelo vagar das nuvens, nestes dias de "céu pouco nublado ou limpo, com ligeira subida da temperatura mínima".

Observações Natalícias 2

Olho para a minha avó e vejo a vitória do corpo envelhecido, face a uma mente ainda sedenta. A voz arrastada e a respiração sincopada expõem de uma forma dolorosa a sua fragilidade de nonagenária. O discurso carrega memórias longínquas. Fico com a ideia que passou os últimos tempos a avaliar o seu próprio percurso, numa derradeira catárse, enquanto espera pacientemente. No final da noite, levo-a ao lar a que nós chamamos a casa dela, cheio de medo de a matar involuntariamente. 92 anos devem levar muito tempo a rever.

Elefante

Fui finalmente ver o dito filme. Gostei da maneira como somos submergidos pela normalidade, pela placidez gelada daquele liceu, que nos permite olhar para a subsequente violência sem preconceitos. Neste caso, gostei também da realização se ter, de alguma forma, sobreposto ao argumento. Acho que o filme só funciona assim.

29.12.03

Arrumações

Periodicamente reorganizo a minha lista de links, tentando classificar definitivamente os blogs que se encontram em apreciação ou apagando-os, e posteriormente organizando-os alfabeticamente. Cada vez que me dedico a esta tarefa fico mais convencido que não tinha hipóteses de passar da fase inicial do "Quem Quer Ser Milionário", por muito que gostasse de tentar ganhar os € 250 000. Não há maneira de saber instintivamente o abcedário. Pensava que ter que usar mnemónicas para conseguir distinguir a esquerda da direita era suficientemente mau, mas lá vou descobrindo novas extensões da minha inépcia.

Observações natalícias

Os ajuntamentos familiares semi-forçados normalmente obrigam-nos a estar ao nosso melhor nível de conversadores de chacha, numa tentativa de evitarmos falar de coisas que verdadeiramente nos marcam. Este ano, pela primeira vez, passei a consoada com o lado maternal da minha família. A certa altura da noite, um grupo de primos esteve cerca de uma hora a falar de lâmpadas economizadoras de energia. Pelos conhecimentos que cada um revelou sobre a matéria, sou levado a pensar que, no caso deles, já não era a primeira vez que passavam o Natal juntos.

23.12.03

Actividades perigosas

A julgar pelas filas que se acumulam, a esta hora, à entrada do parque de estacionamento do Corte Inglês, desaconselho fortemente o passeio fortuito com um saco de compras dessa instituição, entre hoje e dia 26. Pode dar origem a um linchamento. É melhor tentarmos não provocar a fúria da massa consumidora de última hora. Há coisas com que não se goza.

Tralha

Hoje à noite fui à feira internacional de artesanato que está no Fórum Picoas. Eu não gosto de feiras, mas um ataque subito de consumismo e um minutos para gastar, levaram-me até lá para ver se comprava uma coisa inútil para oferecer a alguém. Entre o Queijo da Serra, as bugigangas em pele de camelo, os artesãos congelados nos anos 70 e os inevitáveis incensos, apercebi-me que o mundo cheira mal.

22.12.03

Luxos

Depois de um fim-de-semana onde passei mais tempo em bares e discotecas do que a ver o sol, apercebo-me que as dúvidas existenciais que se levantaram nestes dois dias foram levadas pela voragem etílica. As reflexões que sobreviveram até segunda-feira giram, em grande parte, à volta do mesmo: será que uma pseudo-conversa com o portas do Lux, vale 12 euros?

Oásis dominical

Numa tentativa de ganhar uns quilitos para fazer face aos rigores do inverno, tento arranjar um ritual de entretenimento que não envolva muita movimentação, para fazer face à lenta aproximação da segunda-feira. Pela segunda semana consecutiva, dou por mim a papar o compacto (3 episódios) do "All in the family", na SIC Gold. Se o corpo ainda o permitir, dou uns toques no compacto do "Family Ties", que dá logo a seguir. Este programa só tem vantagens: não vejo os telejornais de domingo (o que me impede de falar na segunda de manhã, coisa que agradeço), não vejo uma boa fatia do Herman, e mergulho em valores familiares rarefeitos.

Misturas infernais

Domingo à noite é, quase por definição, deprimente. Se nos focarmos no panorama televisivo nacional, afundamo-nos cada vez mais no poço. Hoje, para tornar as coisas verdadeiramente épicas, temos a miséria do circo inserida no indescritível Herman SIC. Acho que o que é verdadeiramente deprimente é o facto do Natal, como instituição, se ter tornado também nisto, nos tempos que correm.

19.12.03

Dúvida matinal

Será que não sendo de esquerda, serei forçosamente de direita?

Pausa

Por vezes instala-se um silêncio parcial na cidade, que nos permite ouvir um som específico, em toda a sua unicidade, um som que normalmente se esvai na torrente cacofónica. Hoje, por momentos, ouvi apenas o trânsito. Sem palavras, sem pessoas, sem vento, apenas o trânsito.

Aproximações

Quando era mais novo, os meus pais sempre me mantiveram afastado da morte. À medida que fui envelhecendo, ela esgueirou-se da sua clausura e começou a infiltrar-se no meu universo íntimo, em sintonia com a passagem do tempo. Hoje em dia, dou por mim a fazer preparativos: tento comprar a minha primeira gravata preta. O verde escuro, ou o azul já não chegam. Com o gradual afastamento da inocência, vou tendo que escolher as minhas armas e assumir este duelo desesperado.

18.12.03

Tomada de posição

Eu defendo as seguintes ortografias, "da-se!" e "prontch", por oposição a "dasse!" e "prontus". Tenho dito.

Por falar em dificuldades de comunicação

Lembrei-me da minha única passagem pela Rússia, onde eu e um amigo estivemos perdidos em Moscovo, durante 12 horas. Na altura, só conseguimos comunicar com umas raparigas que falavam francês, e com um taxista improvisado que falava alemão e que tinha amigos a jogar andebol em Portugal, mais concretamente no ABC. Inglês nem vê-lo, literalmente. Aquela gente leva o isolamento a sério.

Desabafo

A política blogoesférica cansa-me. Cansa-me a necessidade absoluta de ganhar um debate, de procurar o argumento final, de ajustar contas. Proponho uma medida salutar: apaguem os arquivos do blog e discutam apenas o que vos ficar registado na memória. Se calhar ficam com tempo para escrever sobre outros temas. Se calhar não é a política propriamente dita que me cansa, é a política nesta organização em círculos, virados para dentro. Enfim, hoje estou cansado.

17.12.03

Limitações

Hoje, a minha própria vida está ruptura de stocks. Tive que recorrer a vidas alheias para colmatar o vazio. Espero que chegue um fornecimento brevemente.

E agora para um post verdadeiramente chato...

Estive a ler os dois posts intitulados "O fim do Welfare State" (I e II), escritos pela Clara Macedo Cabral e fiquei com vontade de opinar:

"As pessoas mais responsáveis que conheci (curiosamente, também os melhores colegas) não o eram por medo, porque tinham um Big Brother a vigia-las mas porque tinham um juíz dentro de si, um grilo, uma boa consciência fruto da educação."

Não podia estar mais de acordo. E quando a educação não cria esses mecanismos internos (o que acontece na grande maioria dos casos)? O público que se lixe? Ou assumimos frontalmente que a maior parte das pessoas não teve a educação ideal para o cargo que desempenha, e lidamos com isso abertamente, sem medo de ofender?

"Tudo isto apenas para concluir, que os mais duros e acérrimos opositores da função pública desejam tanta a sua segurança como qualquer ser humano. E que é legítima essa pretensão. Porquê, então, ocultá-la como se fosse uma vergonha, uma fraqueza?"

É uma questão de método: no sector público a segurança é oferecida, na sector privado temos que a ganhar. Parece-me que a solução que implica a transformação do sector público numa ilha idílica no meio de um mundo cruel, onde as regras do jogo seriam diferentes, não faz sentido. O sector público não é uma ilha, é uma peça do puzzle. Fornece serviços que apenas se distinguem, no seu funcionamento, dos do sector privado pela natureza colectiva do seu "proprietário".

Se queremos ter segurança (entre outros direitos) no sector privado e produtividade (entre outras obrigações) no sector público, temos que encontrar uma forma cooperante de o fazer, sem entrar em demagogias ou visões parciais da realidade. Não há uma luta entre o público e o privado. Há apenas uma instrumentalização com fins políticos. E isso sim é uma verdadeira vergonha.

"São os valores do capitalismo: consumo e poder, que afectam indiscriminadamente as relações profissionais e pessoais. São valores, claro que sim. Não questionar se bons se maus. Existem e temos que viver com eles. Ou proteger-nos deles."

Sempre achei que um pouco de pragmatismo nunca fez mal a ninguém. Aceitar que não há alternativas ao capitalismo e aos seus valores (que não se esgotam obviamente no consumo e no poder) é o primeiro passo para a resolução dos problemas do próprio capitalismo. O segundo passo, seria mudar o capitalismo por dentro, numa perspectiva dialogante e não numa óptica de confronto. Afinal de contas, racionalmente, só podemos chegar a uma conclusão: cada um tem mais probabilidades de ganhar, quando todos ganham.

Reconheço que poderei ter dito uma série de banalidades, mas nunca cheguei a perceber a facilidade com que às vezes se esquecem essas mesmas banalidades.

Marketing subliminar

Depois de ver um anúncio de roupa interior, a única coisa que me apetece comprar é um corpo.

Subsidiarização cruzada

O JPC acha uma perfeita humilhação para os jornalistas genuínos que se vêem "atirados para o fundo das prioridades" em nome de motivos comerciais, os pseudo-leitores da imprensa diária só o serem graças às ofertas acessórias dos jornais e revistas.

Uma vez que os motivos comerciais pagam aos tais jornalistas sérios, que de outra forma estariam no desemprego, não estará aí o verdadeiro problema. Parece-me que a relação de causalidade é precisamente inversa: o desinteresse foi criado, se é que ele não existe desde sempre, pelos próprios jornalistas, entre outros.

Das duas uma, ou se submetem à vontade do povo, e escrevem apenas sobre temas que lhe interessem, ou tentam educar o povo, e aí as ofertas representam a única forma de eventualmente chegar a uma maioria que de outra forma nem olharia para um jornal. Na minha humilde opinião, o jornalismo não é um fim em si próprio, não se pode dar ao luxo de ignorar o seu público (ou o seu mercado). Apenas pode optar por ter um papel activo ou passivo, nesse relacionamento.

Mais Espanha

Não gosto de pensar que sei falar espanhol e depois ver-me aflito para comunicar. Prefiria conseguir assumir com frontalidade que não sei falar a língua e enveredar pelo inglês (ou outro idioma qualquer) quando as circunstâncias assim o exigissem, em vez de me sentir obrigado, em nome da minha portugalidade, a aventurar-me pelas caminhos sinuosos do castelhano adulterado. É claro que para isso seria útil que os espanhóis falassem qualquer outra língua para além da sua língua materna...

16.12.03

Domingo à tarde na Serra de Arga (Minho)

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Com a ajuda do Blogger brasileiro, pode ser que desta vez consiga colar aqui uma imagem.

Mil alminhas

Quando iniciamos um qualquer projecto, fazemo-lo com uma vontade assassina de esvaziar para uma folha, um teclado, um écran, etc., tudo o que queríamos transmitir sobre um determinado tema, e nunca o pudemos fazer.

Passados esses primeiros momentos, damos por nós a ter que criar algo de novo, e não apenas a regurgitar material já mastigado, sobre esse mesmo tema. A partir daí lutamos para encontrar um ritmo próprio, para manter o projecto vivo para além da puberdade. É precisamente nesta fase que este blog se encontra.

Ironicamente, o Classe Média fez hoje mil visitas. Não sei bem o que sentir em relação a este redondo número. Não fiz um estudo de mercado quando iniciei o blog, por isso só posso ficar espantado que existam mil visitantes que se interessem pela minha mediania.

É bom proporcionar mil leituras. Muito obrigado.

Por falar em Madrid

Não tenho opinião formada sobre a cidade. Estou a obrigar-me a gostar dela, nem que seja por ser a capital do mundo civilizado que está mais perto de Lisboa. Acho que não conheço o suficiente de Madrid para a apreciar condignamente. Numa tirada mais marialva, poderia pensar que não conheço o suficiente da vida para o fazer. Humildemente, prefiro acreditar na primeira hipótese.

Orfandade

Leio um conto escrito por um americano, onde o homem fala de uma forma quase onírica de uma casa que ele alugaria por trás do Prado. Na sessão de hoje do "Quem Quer Ser Milionário", 96% do público sabia que o Prado era em Madrid.

Ao não referir a localização do museu, não sei se o tipo estava a piscar o olho ao velho continente, a tentar baralhar a cabeça dos seus leitores americanos, a tentar tornar mais densa a sua história, ou apenas a praticar uma certa arrogância intelectual. Para mim, que também sei onde é o Prado, pôs-me apenas a pensar se as traseiras da instituição seriam assim tão dignas de registo.

Nota: Não sei bem o que quis dizer com isto. Acho que no fundo quis dizer coisas a mais, mas não consigo desfazer o nó...

15.12.03

Dica para jantares de amigos...

Aqui há uns tempos, li numa Granta um bom conselho, supostamente dado pelo Edmund White:

"O segredo para tornar um jantar num sucesso é tratar as pessoas bonitas como se fossem inteligentes, e as pessoas inteligentes como se fossem bonitas."

Irritações matinais

Às 9:30 da manhã, as ruas lisboetas desempenham uma função específica: levar-nos até ao nosso posto de trabalho. Sendo assim, devo admitir que me irritam pessoas que vão passear de carro, em plena hora de ponta, sem grande objectivo para além de ver as vistas matinais. Não se irritam, não aceleram quando os semáforos passam para amarelo, param nas passadeiras, ignorando completamente a fila de potenciais motoristas da DHL que circula, à beira de um colapso nervoso, atrás deles. Domingo à tarde, não é quando um homem quer, é só mesmo no Domingo à tarde.

Comunhão

Há momentos que nos resumem de uma forma metafórica as razões que juntam duas pessoas. Um desses momentos é quando se apercebem que estão as duas a sorrir ao ver o romantismo bacoco do Alex P. Keaton a apaixonar-se pela Lauren Miller, no episódio 127 da série "Quem sai aos seus".

Atitudes

Se avaliasse a produção artística da Ursula Rucker apenas pela sua vertente "a mim ninguém me põe a pata em cima", teria que fazer o paralelismo com os relógios Patek Philippe: também nunca seria o dono de um dos discos dela, apenas o estaria a conservar para o próximo jovem de 16 anos...

Comentário fácil

Só foi pena que no momento da sua captura, para além da mala com dinheiro, o Saddam não tivesse com ele uma outra mala com umas armas de destruição maciça. Ainda não é desta que nos livramos das malhas desta discussão que já está claramente para além do prazo de validade...

A captura do Saddam poderá ter um valor simbólico, mas infelizmente não creio que ele estivesse a comandar uma qualquer guerrilha ou "célula" terrorista, enfiado num buraco em Tikrit. Aguardemos.

PS: Eu gostava de escapar ao tema, mas não quero que pensem que também eu vivo num buraco.

12.12.03

Alimentação cultural

Periodicamente, dou por mim a almoçar em cafés de teatros (D. Maria, São Luiz). Comem-se pratos que se esforçam por ser simples, mas diferentes, direccionados à neo-executiva bem pensante. Aprecio o estilo e o cenário envolvente dos ditos cafés, mas gostava de me sentir menos rotulado cada vez que sento à mesa num desses estabelecimentos. Tenho que muscular a minha auto-confiança, ou então, começar a pensar noutras coisas para além de mim próprio...

Estrangeirados

Gosto destes senhores. Gosto da ligeireza. Gosto do estilo. Gosto da diversidade e do equilíbrio temático. Gosto do facto dos senhores gostarem do meu blog. Como me respondeu um amigo meu, quando eu questionei as suas intenções de ir viver para o estrangeiro: "Mas tu conheces alguém de jeito que queira ficar cá?" Realmente, na altura tive que puxar um bocado pela cabeça...

Qualidade cinematográfica

Agradecendo os comentários (e sobretudo o injustificado elogio) sobre o que seria um bom filme, aproveito e mando um bitaite sobre a matéria: os filmes que gostei mais foram os que fizeram sentido na minha vida, na altura em que os vi. Acho que só fizeram sentido, porque combinavam características de entretenimento com ideias. Ideias sobre o cinema, sobre a vida ou sobre qualquer outro tema, que invocaram sentimentos marcantes, introduzindo-se paulatinamente na "banda sonora" do meu quotidiano. Acho que no fundo (como já uma vez tinha dito) eram filmes que tinham uma qualidade fundamental: a universalidade.

11.12.03

Avanços

A paixão vai-se alimentando da oscilação entre a segurança movediça e o tremor do desconhecimento.

Coincidências

Apercebi-me hoje, no trânsito, que a Sociedade Portuguesa de Autores e a Sociedade Protectora dos Animais partilham a mesma sigla. Ele há com cada uma...

Nunca mais dançarão assim

Li na "Nova Gente" que o tipo que fazia de Leroy no "Fame" morreu. Não deixa de ser irónico que no meio do furor revivalista dos anos oitenta, um dos seus maiores ícones desapareça. Para a ironia não ser total, parece que o Leroy, como lendário bailarino que era, prestou uma derradeira homenagem à década que o tornou famoso: foi infectado com o vírus da SIDA. O que o vitimou foi um ataque de coração, mas isso não é relevante...

10.12.03

Preocupações com a imagem

Às vezes interrogo-me sobre a ideia que os meus amigos fazem de mim. Aqui há uns tempos, um deles perguntou-me, como quem pede a ajuda do telefone no "Quem Quer Ser Milionário", de que animal descendia o boi. Não sei bem como interpretar esta pergunta. Não sei se devo ficar preocupado por consideram que tenho algo de zoólogo amador, ou se orgulhoso por acharem que os meus conhecimentos sobre temas inúteis são assim tão vastos.

Dúvidas

Nos blogs fazemos afirmações. Opinamos sem medo sobre os mais variados temas. Procuramos a interactividade, mas através do nosso estilo de escrita, dificultamos ao máximo a invasão alheia do nosso recanto personalizado. Para impedir uma eventual chamada de atenção para a nossa criação paradoxal, deixamos a porta entreaberta, ao incluir uma caixa de comentários no fim de cada post.

Sinceramente, gostava de descer à terra e aproveitar a tal hipótese de diálogo para tentar esclarecer dúvidas. Sendo assim, aqui vai a minha dúvida para hoje: o que é um filme bom?

Alcatrão

Gosto do alcatrão. Gosto do sentimento trangressor ao sair do passeio para parar no meio de uma estrada adormecida. Gosto de olhar para o infinito em linha recta, de me baixar, tocar no manto negro compactado, sentir o calor, em liberdade, em silêncio.

9.12.03

Dilema da organização de festas

A pessoa que organiza festas, normalmente, é a única que não se diverte nessas mesmas festas. Se se estiver a divertir, é provável que mais cedo do que tarde, todas as outras deixem de o fazer.

Pérolas de sabedoria pop

O João Pedro Pais canta-me (ou canta-nos) uma coisa deste tipo: "A chuva lá fora, que cai sobre mim". Poucos momentos depois, sai-se com um sofrido: "Porque é que a vida nos trama, quando alguém se ama?". Este homem está muito "à frente".

Heróis de tasca

Sempre achei piada à forma como, em pequenos recantos do mundo, surgem verdadeiros heróis, eleitos por frequentadores desses mesmo recantos, segundo critérios unicamente aplicáveis nessas realidades parcelares. Num bar onde eu costumo ir, uma criatura miserável criou uma aura à sua volta graças às suas habilidades na mesa de matraquilhos. Assim que se afasta da mesa, volta à sua condição de lixo humano.

Metodologias

Gosto de definições e de ser metódico. Gosto de me interrogar sobre as razões por trás de actos alheios e de decidir se são, em primeiro lugar, compreensíveis e, em segundo lugar, aceitáveis. É precisamente por isso que não posso desprezar alguém que abdica, nas circunstâncias que descrevi. Aceito obviamente pontos de vista alternativos.

5.12.03

Duas coisas que me incomodam

Blogs com gente a mais, e blogs com textos demasiado compridos. Nos primeiros, facilmente perco a paciência para ir procurar o último post que li, são demasiado difíceis de acompanhar. Nos segundos, o desconforto de ler páginas de linhas ininterruptas num monitor de computador, impele-me para outras paragens blogoesféricas. Uma combinação destes dois estilos é sem dúvida uma mistura infernal. Acho que um blog se devia sempre desenvolver num lânguido gotejar.

Abdicar

De certa forma, admiro as mulheres que abdicam, que aprendem a viver diariamente com a subjugação a um certo tipo de amor injusto, conduzindo-as cruelmente a uma sublimação sentimental, a uma espécie de missão divina: fazer o que for preciso para manter a relação operacional.

Está lento lá fora

Nas noites de verão o silêncio é palpável. Na rua ouve-se o pulsar abafado da cidade. O vento é espesso, sedoso, percorre-nos, num lento serpentear.

Hip-hop

Gosto de sentir a música, e não de a pensar, mas quando chego ao hip-hop (na sua generalidade) não consigo fazer uma coisa, nem outra. Acho que basicamente embirro com a parte vocal. Nunca percebi aquela escola de pensamento que defende que para falar (ou "répar") não é preciso saber cantar.

4.12.03

Rio Místico

Chegou a minha vez de falar sobre o badalado filme. Até prova em contrário, o cidadão médio achou o filme sobretudo chato. Além disso, continua a achar que o Sean Penn é mau actor. Prefiro não intelectualizar estas coisas, até porque não o sei fazer.

Generation gap

Um pai vira-se para um filho:

- Estás a trabalhar, ou estás ao computador?

Velórios

Considerando que estou presente por motivos egoístas, a minha principal preocupação num velório/funeral é que a minha presença não seja ofensiva.

Demanda poética

Estou sentado no carro, à espera. Olho à minha volta, à procura de pontos de interesse. Nada. O quotidiano. Lembro-me de tentar descrevê-lo (estou a precisar de treinar a escrita). Rapidamente caio num certo lirismo. O "ram-ram" diário, só mesmo com poesia.

Amadurecimento

Na nossa meninice, partíamos coisas em grupo, tirávamos macacos do nariz e comparávamos a sua consistência, tentávamos vislumbrar as cuecas das raparigas, organizados em matilha, etc. Na vida adulta, vamos a funerais, festas de anos, casamentos, aturamos os filhos dos outros, as crises existenciais, e se tudo correr como planeado, ainda ficamos sem alguns amigos por causa disso. Algo se perdeu pelo caminho...

3.12.03

Mais problemas pós-assalto

Alguém me manda uma mensagem a perguntar se o motivo que me impediu de mandar novidades nos últimos tempos, foi uma emigração forçada para a Sibéria. Não sei quem me manda a mensagem, mas a pessoa que a mandou sabe quem eu sou. Interrogo-me se devo responder: se não mandei novidades foi por alguma razão.

"Verticalidade" forçada

Uma das consequências mais desagradáveis de perder o telemóvel, é que durante uns tempos vou ter que atender chamadas indiscriminadamente. Com os contactos das pessoas com quem eu quero falar, também foram alguns de pessoas com quem eu não quero falar. Estou vulnerável. Sou obrigado ao socialismo.

Ocasiões estatísticas

Parece que a maior parte dos portugueses se casa entre os 25 e os 29 anos. Esta semi-inevitabilidade estatística tem uma de três consequências possíveis para alguém que, como eu, se encontra neste intervalo: ou nos casamos, ou vamos a casamentos, ou podemos ainda assistir a separações trágicas. É (no mínimo) deprimente ter 26 anos.

Momento "Twilight Zone" do dia

Hoje, pelas 19:00, passei por uma das entradas para o parque de estacionamento das Amoreiras. Não é que o parque não estava completo??? Num espasmo de normalidade, o meu primeiro impulso foi o de entrar para o parque, aproveitando esta oportunidade única para ir "tratando das compras de Natal". Mas aí é que me apercebi do passo quase fatal que ia dar: entrar nas entranhas de um centro comercial, em Dezembro, sem ficar numa fila, à espera que uma alma caridosa saia do estacionamento e me deixe entrar para o inferno? Nada disso! É precisamente este género de armadilhas que podem traumatizar uma pessoa para o resto da vida. Não quero saber de Natais tranquilos e fraternos. Quero, isso sim, deleitar-me com a certeza, em Janeiro, de ter doze meses de paz pela frente.

2.12.03

Condenação solitária

O que é verdadeiramente angustiante na dor, é o facto de ela ser indivisível, é a certeza visceral de isolamento que desce sobre nós quando tentamos partilhar algo tão distintamente nosso.

Fuga para a frente

Em Portugal fugimos para a frente. No trânsito, por exemplo, olhamos para a frente, na esperança de que o carro que circulava na faixa ao nosso lado tenha desaparecido, no preciso momento em que nos atirámos para cima dele. Se não olharmos, não o vemos, se não o virmos, não temos a obrigação moral de evitar a colisão: passamos a bola. É um clássico.

Aquela ideia de que passamos a vida a "desenrascar" situações é totalmente falsa. Nós passamos é a vida a criar situações que os outros têm que "desenrascar".

Assaltos

No sexta-feira à noite, fui assaltado. Deram-me uns encontrões e levaram-me o telemóvel. Gostava de ter algo de interessante para dizer sobre isto, mas os senhores que levaram o meu nokia, deixaram-me apenas com uma ligeira revolta interior e uma rede para reconstruir. Nada mais.

A mão invisível do Ronald McDonald

Já por várias vezes dei por mim, algures no estrangeiro, num momento de desorientação, a olhar para uma qualquer multinacional e a sentir-me reconfortado. É curiosa esta consequência da globalização: involuntariamente, damos por nós a encarar uma empresa como uma representação de algo que nos é familiar, caseiro, e que nos poderá prestar apoio, se a situação o justificar, como se de uma embaixada se tratasse. Espero que o sindicato dos trabalhadores do McDonald's tenha em consideração esta missão diplomática de apoio ao "cidadão do mundo", na próxima negociação salarial.

Horário de funcionamento

Resolvi não alimentar o monstro em dias inúteis. Parece-me ser uma decisão sobretudo saudável.

Ao iniciar um blog, tentei combater uma indisciplina crónica que me impedia de escrever/ler/pensar com a regularidade que queria. No entanto, começo a sentir o peso da obrigação de escrever todos os dias, obrigação essa que impus a mim próprio. Sendo assim, tentei encontrar uma solução de compromisso, daí o encerramento temporário.

É claro que, na prática, apenas evito ligar-me à net todos os dias. Posso blogar de qualquer lado, e voltar ao posto de trabalho, religiosamente, com o retorno da utilidade diária.