29.4.05

Manobristas

O patriotismo, na variante portuguesa do conceito, resume-se a uma alegria agregadora que advém do facto de podermos fugir às nossas responsabilidades com a certeza de que, quando o fizermos, não estaremos sozinhos.

Nem sei bem o que responder a isto...

Mas felizmente há poucas coisas que o Tony Carreira não consegue resolver (com as devidas adaptações), e pelo meio trucidar alguns mitos sobre a minha pessoa:

Quanto mais ela me engana
Mais eu acredito nela
Quanto mais ela me trama
Menos faço por esquecê-la
Quanto mais me diz mentiras
Mais eu penso que é verdade
Quanto mais coisas me tira
Mais lhe dou minha amizade


Tony Carreira - Com a Verdade Me Enganas, Ai Destino (1995)

28.4.05

Romantismo

Gostava de, um dia, ter dinheiro a mais. Gostava de poder preservar ruínas banais, no meio da cidade.

27.4.05

Os ideais murmurados

Na entrada de Cabanas, há uma rotunda. Na dita rotunda, foi instalada uma estátua ao golfista desconhecido, imortalizado em pleno swing. Até ao passado dia 25 de Abril, a rotunda estava inacabada: faltava uma bandeirinha com o número 18, metáfora para a concretização do louvável objectivo de transformar o Algarve num destino turístico para reformados do Norte da Europa, com pretensões a conservadores. No passado dia 25 de Abril, o moralista Macário Correia, inaugurou a rotunda, colocando a tal bandeirinha no seu devido lugar, a uma distância segura das eleições autárquicas.

Na manhã desse mesmo dia, o moralista Macário tinha estado de braço dado com o presidente do Benfica, a inaugurar a Casa do Benfica de Tavira. De braço dado com o mesmo presidente do Benfica que arranjou maneira de construir um empreendimento grotesco, a dez metros da Ria Formosa, quando tantos outros falharam. Um empreendimento onde o Rui Costa afirma ter investido no "último paraíso" e nos convida a fazer o mesmo, nos cartazes publicitários que estão pendurados à entrada de Cabanas, com vista para a recém-inaugurada rotunda e para esse monumento ao pato bravo desconhecido que é a EN 125.

No passado dia 25 de Abril, o moralista Macário vendeu o seu pedaço de terra ressequida a quem tem dinheiro para o regar, e trocou o "último paraíso" pelos corações da nação benfiquista do seu município.

O 25 de Abril não é uma data, assim como o "God bless America" da malta do West Wing não é sobre Deus, nem sobre a América e nem chega sequer a ser sobre bênçãos. O 25 de Abril é uma saudade de um delírio esquerdizante que me impele a juntar o moralista Macário (assim como todos os outros moralistas) à lista de pessoas que fuzilaria no Campo Pequeno. Mas agora é tarde demais. Agora já passaram 31 anos.

26.4.05

Vidas simples II

Ao fim destes anos fico com a ideia de que a maturidade chega quando começamos finalmente a ponderar abdicar do verão para ir passar férias no inverno dos outros.

Vidas simples

No regresso de S. Paulo, chego à conclusão que um bom vôo é um vôo em que não aparecem pés e/ou meias suadas no meu campo de visão.

15.4.05

Carlos Lopes

A glória é efémera. Especialmente quando nos é concedida a meio dos anos 80. Na melhor das hipóteses financia uns roupeiros Barros & Barros. Passados uns meses, reduz-se ao visionamento de uma mesma corrida, vezes sem conta, até ao fim dos tempos, sempre ao sabor dos telejornais.

13.4.05

Gente que eu fuzilaria no Campo Pequeno

Condutores que andam de mínimos durante a noite; empregados de mesa que dizem "não"; mulheres que usam boné com orgulho; pessoas que usam boné em bando; homens que acham que têm olhos bonitos; cangalheiros de óculos escuros arrojados. Para já, é tudo.

11.4.05

Pulsar II

Houve igualmente uma altura em que não almoçava todos os dias. Trocava almoços por CDs, e CDs por dores de estômago. Continua a ser a única música no fio da navalha que consigo tolerar: uma música anónima, que me vai ralando com ternura.

Pulsar

Houve uma altura da minha vida em que dormia todas as noites. Perdi durante anos o dia em câmara ardente, a brandura do silêncio. Hoje em dia já não o faço, mas não me consigo livrar do arrependimento.

8.4.05

Para ser rigoroso

Neste blog, a palavra "rigor" devia estar sempre entre aspas.

Numa fila de trânsito

Fico estranhamente deprimido quando vejo uma mulher a guiar um carro banal. Optar pela banalidade é perigosamente semelhante a optar pelo desleixo, condição que, em público, fez pouco de positivo pelos homens.

7.4.05

Vocação

O misto de rigor e irrelevância que vai boiando na minha "escrita" leva-me a pensar que talvez a minha verdadeira vocação seja a de escritor de notas de rodapé.

6.4.05

Limites

Um tipo só se pode considerar progressista até ao dia em que uma mulher lhe comunica que se vai apropriar dos seus tachos. Nessa altura, confrontado com uma inesperada impossibilidade filosófica de fazer algo para repelir o assalto, procura evitar regredir instantaneamente até à Idade Média negociando consigo próprio uma solução que lhe permita abdicar da cozinha, sem ferir de morte as suas pretensões igualitárias e compromete-se a tratar das bebidas. Os homens não se querem civilizados, querem-se justos.

5.4.05

Os meus pés estão cada vez mais longe*

Deixou de ir a Espanha. Esqueceu os touros, o vinho, as caçadas, as paragens a caminho de Paris, as gargalhadas tentadoras, as mulheres oblíquas e as regras. Esqueceu toda aquela vida salgada e amoral. Agora já só vai até ao Corte Inglés, bebericar memórias a medo, entre uns revueltos plastificados e um pincho temperado pelo ar condicionado.

*Paul Buchman