Manobristas
O patriotismo, na variante portuguesa do conceito, resume-se a uma alegria agregadora que advém do facto de podermos fugir às nossas responsabilidades com a certeza de que, quando o fizermos, não estaremos sozinhos.
O patriotismo, na variante portuguesa do conceito, resume-se a uma alegria agregadora que advém do facto de podermos fugir às nossas responsabilidades com a certeza de que, quando o fizermos, não estaremos sozinhos.
Mas felizmente há poucas coisas que o Tony Carreira não consegue resolver (com as devidas adaptações), e pelo meio trucidar alguns mitos sobre a minha pessoa:
Gostava de, um dia, ter dinheiro a mais. Gostava de poder preservar ruínas banais, no meio da cidade.
Na entrada de Cabanas, há uma rotunda. Na dita rotunda, foi instalada uma estátua ao golfista desconhecido, imortalizado em pleno swing. Até ao passado dia 25 de Abril, a rotunda estava inacabada: faltava uma bandeirinha com o número 18, metáfora para a concretização do louvável objectivo de transformar o Algarve num destino turístico para reformados do Norte da Europa, com pretensões a conservadores. No passado dia 25 de Abril, o moralista Macário Correia, inaugurou a rotunda, colocando a tal bandeirinha no seu devido lugar, a uma distância segura das eleições autárquicas.
Ao fim destes anos fico com a ideia de que a maturidade chega quando começamos finalmente a ponderar abdicar do verão para ir passar férias no inverno dos outros.
No regresso de S. Paulo, chego à conclusão que um bom vôo é um vôo em que não aparecem pés e/ou meias suadas no meu campo de visão.
A glória é efémera. Especialmente quando nos é concedida a meio dos anos 80. Na melhor das hipóteses financia uns roupeiros Barros & Barros. Passados uns meses, reduz-se ao visionamento de uma mesma corrida, vezes sem conta, até ao fim dos tempos, sempre ao sabor dos telejornais.
Condutores que andam de mínimos durante a noite; empregados de mesa que dizem "não"; mulheres que usam boné com orgulho; pessoas que usam boné em bando; homens que acham que têm olhos bonitos; cangalheiros de óculos escuros arrojados. Para já, é tudo.
Houve igualmente uma altura em que não almoçava todos os dias. Trocava almoços por CDs, e CDs por dores de estômago. Continua a ser a única música no fio da navalha que consigo tolerar: uma música anónima, que me vai ralando com ternura.
Houve uma altura da minha vida em que dormia todas as noites. Perdi durante anos o dia em câmara ardente, a brandura do silêncio. Hoje em dia já não o faço, mas não me consigo livrar do arrependimento.
Fico estranhamente deprimido quando vejo uma mulher a guiar um carro banal. Optar pela banalidade é perigosamente semelhante a optar pelo desleixo, condição que, em público, fez pouco de positivo pelos homens.
O misto de rigor e irrelevância que vai boiando na minha "escrita" leva-me a pensar que talvez a minha verdadeira vocação seja a de escritor de notas de rodapé.
Um tipo só se pode considerar progressista até ao dia em que uma mulher lhe comunica que se vai apropriar dos seus tachos. Nessa altura, confrontado com uma inesperada impossibilidade filosófica de fazer algo para repelir o assalto, procura evitar regredir instantaneamente até à Idade Média negociando consigo próprio uma solução que lhe permita abdicar da cozinha, sem ferir de morte as suas pretensões igualitárias e compromete-se a tratar das bebidas. Os homens não se querem civilizados, querem-se justos.
Deixou de ir a Espanha. Esqueceu os touros, o vinho, as caçadas, as paragens a caminho de Paris, as gargalhadas tentadoras, as mulheres oblíquas e as regras. Esqueceu toda aquela vida salgada e amoral. Agora já só vai até ao Corte Inglés, bebericar memórias a medo, entre uns revueltos plastificados e um pincho temperado pelo ar condicionado.