Auto-post
Dei a mim próprio meia-hora para acabar com esta praga dos posts minimais. Como sou um tipo ponderado, ia restringir a voragem ao meu próprio blog, mas nem assim consegui cumprir a tarefa.
Dei a mim próprio meia-hora para acabar com esta praga dos posts minimais. Como sou um tipo ponderado, ia restringir a voragem ao meu próprio blog, mas nem assim consegui cumprir a tarefa.
Engordar não é aviltante. Há até alguma glória nisso, nos tempos que correm. O que é verdadeiramente miserável é acordar gordo.
A vila de Espargos, onde estão naufragadas seis mil almas à beira da pista de um aeroporto, faz lembrar as imagens da Cova da Moura. Com duas diferenças: a inexistência estações e a abundância de espaço.
Há países (ou mesmo continentes) onde as respostas a perguntas sobre a noite revelam sempre mais do que um simples trajecto.
Enquanto tentava conceptualizar uma insatisfação crónica com a minha vida, comecei a pensar que o que eu realmente ambiciono é acontecer aos outros. Assumir propriedades, não tanto de uma catástrofe natural, mas de um ataque viral de média intensidade. Nada de muito pegajoso.
É possível inventar múltiplos pretextos para se migrar da vodka limão para a vodka tónica. Pretextos plausíveis como o facto de deixar de ser razoável, a partir de uma certa idade, embebedar-se misturando um álcool virginal e refrigerantes de marcas dóceis como Trinaranjus, ou argumentando que há algo de intrinsecamente fleumático na designação "vodka tónica", que explica mudanças de hábitos só por si. Enfim, com alguma criatividade não há limites para a pose.
É com algum desgosto que vejo que a criatividade de muitos dos meus pares, jovens quadros médios com medo de se atrasarem na constituição de família, só chega para os levar de férias até à "costa alentejana". Repetidamente e em bando. Não consigo evitar compará-los aos jogadores de futebol que não conseguem ir mais além de Vilamoura para gastar os seus milhões de euros. Mesmo sem os tais milhões, presumo que algures no centro da romaria também haja alguém que precise de uma corte, comprada a preço de saldo.
Assassinei dois coelhos, a caminho de Mértola. Aliás, um deles limitou-se a usar o meu carro para se suicidar, só o segundo é que foi assassinado. Passei-lhe por cima com o pneu enquanto ele estava momentaneamente cego pela luz dos meus faróis. Já levemente traumatizado, evitei por um triz abreviar a vida a um terceiro que ziguezagueou pelo alcatrão a alguns centímetros do meu pára-choques. É esta a selvajaria que nos espera quando evitamos as auto-estradas: perfeitamente inadaptados no meio da natureza somos forçados à crueldade para chegar a casa. Andamos demasiado rápido, protegidos por uma carcaça demasiado severa para não deixar cadáveres para trás.
Ando preocupado com o que acontecerá ao dogma da imaculada concepção quando alguém transformar "imaculado" e "wireless" em sinónimos.
Reescrevendo aquele dizer neo-realista que define a mulher como o que vem à volta da vagina, poderia afirmar-se que o blogger é o que vem à volta de uma recomendação de leitura, da descoberta da next big thing da pop britânica que nunca chegará a sê-lo, da revelação de uma beleza improvável atolada num filme conceptual. Tudo o resto é uma poesia tolerável. A vida de desconhecidos extingue-se na sua utilidade.
Foi lançado um boato sobre o meu alcoolismo. Como é óbvio, é falso. Vivo na mais pura mediania, não tenho disponibilidade para estar genuinamente naufragado. Talvez um dia, seduzido pelo ruído de fundo e por uma ideia retorcida de liberdade, o vício aconteça. Até lá, não passo de uma imitação barata, de pechisbeque poético, só possível por falta de concorrente à altura. Estou ingloriamente perdido numa escala errada.
Volto para Lisboa sem vontade de estar com pessoas. Preferia continuar a passar os meus dias na companhia de mariscos variados.
Perder um telemóvel é fácil. Perder um número de telemóvel é excêntrico. Só os excêntricos declinam a portabilidade depois de uma vítima da crise, ou o acaso, lhes levar o telemóvel. Podemos até ficar sem passado, mas nunca ficamos a mais de um cartão sem carregamentos obrigatórios de distância do presente.
Há dias em que, de olhar caído, sou levado a pensar que mais do que qualquer medida moralizadora, era importante para o país fazer com que a aplicação do conceito de "entrada alternada" fosse além da existência como elemento decorativo no garrafão da Ponte 25 de Abril.
Um país só se pode considerar civilizado quando os seus cidadãos deixam de andar em contra-mão no IKEA e passam a saber usar os atalhos entre secções.
Sou um tipo sem fé. Um dos resultados directos desta maleita pós-moderna é o facto de achar que os desenhos animados se tornaram muito mais comoventes, quando passaram a ter sons reais.
Pior do que uma agregação de advogados, só mesmo uma agregação de advogados onde eu tenha de estar presente.
A pornografia tem a prodigiosa capacidade de tornar o corpo de uma mulher deprimente.
Há intelectuais que se revoltam contra a canalha que vai à praia e passa os dias a boiar nas ondas ou a candidatar-se ao melanoma, intelectuais que optam por ficar em casa a pensar nas sombras. Há outros que se deixam de merdas e se dirigem ao areal para fazer pesquisa de campo.
Há uns tempos, um amigo defendia que uma zona onde habitasse uma comunidade gay significativa seria uma boa zona para viver. Não sei se ele assumia que uma vizinhança que tolerasse casais do mesmo sexo iria tolerar todo o tipo de malucos, mas pareceu-me que a ideia fazia bastante sentido, sobretudo considerando a transversalidade social da pederastia.