Nulidades
Na blogoesfera, muita gente escreve sobre "pequenos nadas". O meu exercício de humildade é diferente: consiste em escrever sobre pequenas metades, enjaulado no mais atroz relativismo funcional.
Na blogoesfera, muita gente escreve sobre "pequenos nadas". O meu exercício de humildade é diferente: consiste em escrever sobre pequenas metades, enjaulado no mais atroz relativismo funcional.
Usando descaradamente a possibilidade de manipular as datas de edição de posts, volto a sexta-feira para deixar registado para a posteridade que este foi um dia demasiado útil, em que não pude actualizar o blog, mas em que pensei nisso de uma forma sofrida.
Não sou particularmente dado a manifestações públicas de qualquer tipo. Talvez isso aconteça por ter alguma dificuldade em abandonar voluntariamente a racionalidade. Das únicas vezes que o fiz por causa do Sporting, arrependi-me. Em 95, quando da vitória na Taça, quase me juntei ao Alcino Monteiro, ao chegar ao Bairro Alto no preciso momento em que os skinheads resolveram cilindrar uns transeuntes. Em 2000, esperei horas no estádio pela aparição dos campeões, para a festa se acabar em dois minutos, que foi o tempo que o público levou a saltar a vedação e a invadir o relvado.
Estupidamente (digo estupidamente porque insisto em esquecer-me que vivo em Portugal), resolvi deixar-me levar por uma vaga de fundo criada pelas revistas cor-de-rosa e ir experimentar o renovado "La Trattoria". Como é óbvio, não voltarei a pôr lá os pés.
Talvez como herança de um certo marialvismo paternal, a ideia sexista do homem que põe a comida na mesa sempre esteve presente na minha vida, mesmo que reprimida pela evolução. Uma das suas concretizações surge durante a condução nocturna. Por volta da uma da manhã, na noite de domingo para segunda, a vir do Algarve com a namorada a dormir ao meu lado e o cão a fazer o mesmo no banco de trás, tentava caçar Lisboa, cercado pela noite.
A rapaziada da Amazon recomendou-me um disco do Bonga. Ao que parece, um dos resultados que saiu de uma análise cuidada da salganhada de preferências dos seus utilizadores foi este. Das duas uma, ou o sistema ainda precisa de umas afinações, ou é tão avançado que permite à Amazon aceder à psique da clientela. No meu caso, teria identificado, na súmula das minhas anteriores compras musicais, uma espécie de "freudian slip". Num momento de exultação psicanalítica, descobriram que a miscelânea que eu tinha adquirido não fazia mais do que revelar uma procura inconsciente da música do iminente cantor africano. Face a este diagnóstico, só posso ter uma reacção: tratar de arranjar uma segunda opinião, porque isto pode ser grave.
Na estrada, circulamos num equilíbrio dinâmico. Raciocinamos em termos relativos, usando a estrada como contexto estático, mergulhado na previsibilidade. O problema surge quando saímos fora das margens desse contexto e passamos para a ter que lidar com o absoluto. Deixamos de poder pensar que apenas estamos a andar a mais 80 km/h do que o carro que vai na faixa ao nosso lado, ou à mesma velocidade que o Subaru da Brigada de Trânsito, porque nos apercebermos que afinal íamos a mais 180 km/h do que a árvore que está na berma.
Ao passear-me pela H&M do Chiado, dei por mim a identificar tendências emergentes da moda. Apercebi-me da deslocação gradual de peso dos anos 80 para os anos 50, e cheguei à conclusão que a H&M, dentro do negócio do fast-clothing, seria talvez a marca mais apelativa, pelo arrojo civilizado da secção masculina, apesar de ferozmente camaleónica como as outras.
Parece que a etimologia de judo vem do japonês em que "ju" quer dizer "nobre" e "dô" significa "modo". Em inglês traduzem para "gentle way" ou "gentle art".
Descobri que há uma rua no Parque das Nações que se chama Rua do Pólo Norte. Sendo que aquela zona teria sido idealizada à imagem de um novo Portugal, não deixa de ser curioso que os nomes das ruas desse novo Portugal sejam iguais aos das "ruas" que podemos encontrar no interior de centros comerciais. Vítimas de um individualismo urbano pós-moderno, nas mãos destes urbanizadores e gestores de shoppings, passaríamos a viver numa cidade ficcionada onde os nossos vizinhos seriam a Zara e a Boutique dos Relógios.
Ler na praia impõe diversos constrangimentos de ordem técnica. Entre outros, é impossível encontrar uma posição confortável durante mais de dez minutos, estamos constantemente distraídos com a efervescência que nos rodeia, e a alvura das páginas pode facilmente cegar-nos. Como "diz que" resistir é vencer, se quisermos contornar os obstáculos ao desenvolvimento cultural que existem nos areais, impõe-se algum planeamento.
A pretensão de que podemos "levar" uma pessoa a algum lado, como se fôssemos detentores e únicos intérpretes de um hipotético mapa do tesouro, pode ser enganadora. "Levar alguém" ao bas-fond da noite, ao orgasmo, ou mesmo "lá", tem subjacente a noção de que tratamos por tu o dito bas-fond, que somos detentores de um "juliomachadovazico" conhecimento da sexualidade e de um corpo à altura dessa sabedoria, que viemos de "lá", ou que pelo menos passamos "lá" férias. Só nestas circunstâncias é admissível a exclusividade deste cargo de pastor. No entanto, mesmo que elas se verifiquem, nunca é verdadeiramente claro quem leva quem, ou se alguém é levado de facto, lançando uma dúvida metafísica sobre a (i)mobilidade de proverbiais montanhas, ou mesmo sobre a sua existência.
Suponho que um chinelo (ou havaiana, na sua encarnação primavera-verão 2003) seja o equivalente da indústria do calçado, à mota. Pelo menos, eu, chinelante confesso e desavergonhado, dou muitas vezes por mim a questionar esta escolha de vestuário e a ser forçado a utilizar argumentos partilhados com essa outra seita de gosto duvidoso (os motoqueiros) para manter este meu hábito veraneante. Ou seja, depois de aturada reflexão sobre o tema, acabo sempre por me refugiar na treta da liberdade que sinto quando tenho os pés montados nos ditos chinelos, para justificar opções de vida pouco sérias.
Tentar domar o produto de um ataque desenfreado de espirros, evitando que ele cumpra o desígnio divino de se vir depositar algures na nossa cara para terror generalizado da audiência, e comer um croissant com chocolate da Bénard deixando a roupa incólume, são duas coisas que requerem uma técnica manual prodigiosa.
O facto de o Sporting ter estado remetido à sua condição natural neste final de época, teve os seus momentos agradáveis. Ontem, por exemplo, permitiu-me estar na Costa da Caparica numa praia semi-vazia, apenas frequentada por mulheres, alguns sportinguistas, e outros seres não abrangidos pela taxinomia futebolística. O processo de selecção natural fez com que os "vencidos do futebol" acabassem a gozar a glória que o Benfica não açambarcou, sob a forma de um memorável dia de verão que, pelos vistos, não se limitava a proporcionar "condições ideais para a prática do futebol". Estradas desimpedidas, estacionamento ao alcance de qualquer veículo, um areal livre de boladas iminentes e de chapéus-de-sol da Olá, uma esplanada com mesas vagas e amêijoas que não acabaram às três da tarde, compensaram largamente o suplício infligido pela embriagada nação benfiquista em histeria, nas ruas da cidade. É caso para dizer: levem lá a taça.
A já muito debatida imbecilidade das notícias do trânsito, transmitidas pelos "programas da manhã" televisivos, tem origem num erro de análise básico: ao contrário do que seria expectável, há muito que a racionalidade deixou os ICs e auto-estradas dos subúrbios lisboetas ao abandono. As filas tornaram-se numa fatalidade, num inferno monótono, a que os habitantes dessas localidades se habituaram.
Para além de ter pele, ter o cabelo suficientemente comprido para ser despenteável é uma condição essencial para se poder desfrutar do vento. A ansiedade que sinto antes de praticamente rapar o cabelo duas vezes por ano está provavelmente relacionada com a posterior impossibilidade de usufruir desse vaporoso e sibilino enlace.
Um amigo dizia-me que o que o impressionava mais nos acidentes de automóvel era a secura do embate. Algum tempo depois de ele me ter dito isto, lá arranjei maneira de me esmagar noutro carro, podendo observar in loco a estirilidade do momento em que a minha história como condutor se dissipou na aridez da batida, no som efémero do confronto entre duas realidades monlíticas. Na altura, lembrei-me imediatamente do que o meu amigo me tinha relatado. Acho que, no fundo, também eu esperei por uma câmara lenta de última hora, para me salvar da rispidez desta interrupção.
Seis meses de blog. Uma data sem relevância mas tem que se começar por algum lado, já que tenho vindo a sentir que o tempo custa a passar por estas bandas. Começo a ficar cansado de uma blogoesfera virada para dentro de si própria, onde escolas de pensamento blogoesférico se limitam a catarem-se umas às outras. Tendo começado por ser um escape para o sufoco do dia-a-dia, esta criação virtual tem vindo aos poucos a tornar-se numa extensão esplendorosa desse mesmo sufoco.
Em Barcelona, apercebo-me que o turismo está reservado para o lado permanente da cidade, onde fazemos um percurso que se limita a levar-nos de postal em postal. No entanto, deixamo-lo para trás quando passamos a viver a cidade temporária, volúvel, arquitectada numa sucessão de momentos irrepetíveis. No limite, isso dá-se quando se torna evidente a identificação entre o aglomerado urbano e os seus habitantes, em toda a sua singularidade.
Estive três dias em Barcelona a visitar a comunidade de jovens artistas portugueses que se encontra exilada na Catalunha. O que eu vi por lá lembrou-me as fotos das abastadas famílias portuguesas que fugiram para o Brasil, na altura do 25 de Abril, e que o Expresso publicou no fim-de-semana do 30º aniversário de revolução. Forçadas pelas circunstâncias históricas a recomeçarem uma vida, todas sem excepção conseguiram arranjar uns minutinhos para tirar umas fotos de grupo, nas praias de Búzios, com um ar bestialmente saudável e bem disposto, mergulhadas nas águas quentes e numa idílica felicidade. Para trás, além de umas herdades, deixaram igualmente a revolução socialista e presumo que isso fosse o suficiente para esboçarem um(s) sorriso(s) sentido(s). Em Barcelona, os jovens portugueses conseguiram retomar esta modalidade de exílio. Foram à procura de uma vida melhor e parece que bastou desembarcarem do avião para tropeçarem nela. Confesso que senti alguma inveja.
Os nossos pais obrigam-nos a apanhar coisas do chão. Alguns anos mais tarde, em jeito de revolta e ao abrigo de uma pseudo-evolução fracturante, transformamos o entulho que abandonamos pelos cantos em "sofisticados" objectos de decoração. O chão acompanha-nos ao longo da vida como o derradeiro aliado do protesto e um garante da independência filial.
Fico contente por saber que entrámos numa altura do ano em que não precisamos de nos preocupar com a fiabilidade dos resultados dessa feitiçaria cujo resultado dá pelo nome de "Boletim Meteorológico". A partir do primeiro dia do ano com temperaturas acima dos 30 graus, podemos encarar a previsão oficial do tempo como o pior cenário possível. Ou seja, se assumirmos que a probabilidade dessa previsão falhar é bastante elevada, podemos igualmente assumir que no caso de ela estar efectivamente errada, o que nos espera será sempre melhor do que a sentença original do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica. São estas as singelas alegrias de viver no Norte de África.
Parece que uma associação de pais inglesa está preocupada com o potencial acesso das suas crianças a conteúdos impróprios para consumo em tenra idade, através de telemóveis de 3ª geração, que estarão à venda a partir do final do ano por aquelas bandas. Sendo assim, pedem que os fabricantes vendam os ditos aparelhos com software de filtragem, para evitar que os petizes tenham acesso a pornografia e "outros serviços para adultos".
Todos os dias paro o carro na mesma zona de um parque de estacionamento, ao lado do meu escritório. Faço uma prospecção pouco convicta dos lugares mais "confortáveis" e acabo por abandonar a minha viatura relativamente longe da saída, num recanto algo incómodo e pouco frequentado, mas que me permite a desobediência civil, ignorando ostensivamente o tracejado do chão. Periodicamente, a minha sondagem inicial dá frutos, e consigo desencantar um lugar na zona chique do parque, onde não tenho que andar mais do que quinze metros até chegar à rua.
Tenho um relacionamento de índole esquerdista com os meus amigos e guardo uma lógica de centro-direita para o resto do mundo. Numa primeira análise, fiquei algo transtornado com esta aparente hipocrisia, mas posteriormente apercebi-me que ela existe exclusivamente por necessidade. Afinal de contas, se não recorresse a um socialismo moderado com os meus "entes queridos", muitas vezes, nem um jantar conseguiria negociar.
Dou por mim no silêncio. Nada para dizer, nem para escrever. Mais uma vez recorro ao vazio como tema para manter a disciplina diária, mesmo que ferida. Nestes dias, apetece-me recorrer a manuais, arranjar polémicas ou comentar os comentários alheios, à procura de uma tábua de salvação. Sinto que hoje não me resta nada para além da vida dos outros, como se ao aprisionar detalhes do mundo que me rodeia, eu próprio desaparecesse, fruto de uma existência demasiado transversal. Nestes dias, sou forçado a reconhecer que me fico por «uma triste futilidade».
Venho por este meio agradecer publicamente às alminhas que, mesmo com alguns dias de atraso relativamente ao 30º aniversário do 25 de Abril, procuraram (e conseguiram) dar-nos uma grande lição de cidadania, ao ter o cuidado de libertar o Carlos Cruz em dia de meia-final de Liga dos Campeões, garantindo assim um dos preceitos fundamentais da vida em democracia: a liberdade de escolha (de canal/tema).
Penso que todos os sportinguistas sabiam que iam perder com o Benfica. Não por o Benfica ser superior ao Sporting, mas por ser o nosso destino. Em tempos recentes, o acaso fez com que nos permitíssemos suspirar convictamente por títulos, conquistas suadas e "regularidades exibicionais", desviando-nos momentaneamente da essência catastrófica da nossa condição de adepto "leonino". Este tipo de derrotas vem repor, não tanto a verdade, mas a organização cénica do futebol português.